quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Saudade é um sentimento que faz suspirar e dor que dilacera o peito

Sempre que alguém morre, ficam os destroços. No plano em que se trata das relações humanas, fica o sofrimento que rasteja as máculas de saudade, aquela saudade que corrói as imagens volúveis que ficam nos espelhos em estilhaços na memória. A perda de alguém é uma dor incomparável, é uma flecha que atinge e machuca a alma, abrindo uma ferida que jamais cicatriza. O que sobram são somente as particularidades, como o carro usado, as roupas, os livros em desordem na estante, o resto de perfume no frasco deixado sobre a cama, algumas obras de arte, CDS, ações, talvez, celular, este que vai tocar por longos dias a procura de alguém, que se foi sem se despedir ou até mesmo sem dizer não me liguem mais, pois não vou estar presente para lhe atender. É que nunca sabemos quando vamos partir se soubéssemos poderíamos nos despedir daqueles que amamos, se tivéssemos essa oportunidade, poderíamos pedir perdão, abraçar, beijar, dizer eu te amo, me desculpe, muito obrigado, você é único em minha vida, mas não podemos ter esse prazer, só nos resta aproveitar cada momento de nossas vidas como se fossem os únicos para quando partirmos deixar somente boas lembranças. Objetos perdem o rumo, desnorteiam a função sem o nosso comando. Mortes acontecem todos os dias, quando abro o jornal e leio que pessoas foram assassinadas de maneira selvagem. Fico Imaginando o sofrimento da família, a saudade que aos poucos vai invadindo os amigos, as lembranças que jamais se apagam nos corações, os gestos, as heranças, as questões judiciais, os sutis comentários dos vizinhos. Logo, tento decifrar como seriam aquelas velhas coisas que eram amadas e que tornavam aquelas pessoas mais felizes, mesmo que por efêmeros instantes. Imagino a dor da família quando precisam fazer uma prece de adeus ao corpo que ainda permanece entre eles e ao espírito que só observa a angustia dos que ficaram, “agradecemos pela felicidade que juntos vivemos, e pela certeza de seu regresso aos braços do pai.” Lágrimas e palavras se misturam em meio a tamanha dor. A lembrança é companheira de todas as horas, tudo é motivo para lembrar, até aquela cadeira especial, que se encontra abandonada, o anel sobre a cômoda, o chinelo de dedo a beira da cama, a caneca, aquele sapato mais confortável mesmo velhinho e criticado pelos amigos. A chave que ficou perdida no fundo de uma gaveta, essa que jamais encontrará novamente a fechadura que a acolhia. Um bilhete ficará abandonado para sempre entre as páginas de um livro. O velho pente, desbotado e talvez sem dois dentes ou mais, nunca mais tocará os cabelos de alguém. Nem terá qualquer utilidade aquele canivete velho e enferrujado que, no entanto se esconde no armário do banheiro. Mesmo que queiramos afundar, esses pequenos objetos que faziam parte do cotidiano de alguém com certeza vão ficar flutuando sem rumo, como recatados escombros. Por onde andarmos vamos encontrar um objeto que nos faça lembrar de sua presença, um simples chapéu velho e encardido, uma bengala esquecida atrás da porta do quarto, livros que ninguém terá coragem de reabrir, aquele chaveiro sem graça, o inseparável baralho de noites de diversões com a família e amigos, um ingresso que guardou como recordação daquele show que foi ver seu ídolo cantar sua música preferida, uma fatura ainda para pagar, a toalha molhada sobre a cama, o estojo de maquilagem sobre a cadeira, a mochila semi-pronta, para qualquer convite dos amigos em um final de semana, o computador ligado, o e-mail inacabado que jamais será enviado, pois ninguém saberá a quem seria enviado, a bicicleta guardada na garagem juntamente com outros brinquedos e pertences de infância. No quarto na porta do armário fotos de amigos em momentos de companheirismo. Recados de batom no espelho do guarda roupa, saudade deste que muito me fez feliz, saudade da sua voz suave, seu sorriso espontâneo, sua felicidade incontrolada, seu aperto de mão. A saudade é tanta que ouço seus passos ao meu lado, sinto seu perfume, e recordo o brilho dos seus olhos ao me fitar alegremente. Penso na ruína que fica dentro de cada membro da família ou dos amigos, penso em tudo que ficou e que permanece vivo e que também vai envelhecendo conosco, neste enigma de relacionamento com tudo o que pode ser percebido pelos sentidos ou considerado pela inteligência do nosso cotidiano.